%2016.24.42_7c83ea54.jpg)
Por D. Rubén Calderón Bouchet
Não vê quem quer, mas quem pode. Verdade de simples bom senso, fundada na aptidão da vista para perceber, mediante um exercício adequado, aspectos da realidade não notados pelo inexperiente. A vida espiritual do homem é um exercício constante, cujos progressos se medem pelas mudanças qualitativas experimentadas na condução da própria vida. A explicação deste fato possui um grau inevitável de inefabilidade, mas pode ser compreendida pela analogia existente em todas as experiências espirituais. O poeta, o músico, o sábio e o cientista, em suas respectivas esferas, conhecem as transformações provocadas pelo aprofundamento no domínio de seu saber ou de sua arte. Há um nível de profundidade, de compromisso vital com a ordem real, que é fruto de uma conquista espiritual permanente.
A vida religiosa obedece a um ritmo análogo, e seu progresso ou atrofia depende, em grande medida, da resposta adequada dada pelo homem aos movimentos da Graça. Os grandes místicos de todos os tempos, mas em particular os profetas de Israel e os santos da tradição cristã, deixaram um testemunho preciso de suas experiências interiores. A dificuldade de serem compreendidos pelo homem de hoje se deve à anemia religiosa, e não, como se pretende fazer crer, à incidência de uma linguagem escrita para outra época. A linguagem religiosa — como a musical ou a poética — requer, para ser compreendida, uma alma afinada na percepção de suas invocações. Os costumes grosseiros de uma época mergulhada no sensualismo de experiências epidérmicas tornam cada dia mais difícil a tarefa de penetrar na profundidade da alma onde habita o Espírito Santo.
Sendo de natureza decaída, o homem foi chamado pelo batismo a uma forma de vida mais nobre. O batismo possui um duplo significado: a morte do homem do pecado e o nascimento para uma participação mais íntima na existência de Deus. O bem dado pela Graça — disse São Tomás de Aquino — é mais importante que todos os bens naturais do universo: inicia a vida eterna e, por conseguinte, a realização do Reino de Deus nas almas.
Não basta a presença sobrenatural de um germe de vida divina para o advento do Reino de Deus. É necessário um cuidado permanente e uma tenaz atenção empenhada no delicado crescimento dessa semente. A fé, a esperança e a caridade cristãs constituem um organismo espiritual regenerador, cujo vigor atua de modo criador e em perpétua colaboração com a boa disposição das faculdades e apetites naturais. Foi erro luterano crer em uma justificação do homem imputável exclusivamente aos méritos de Cristo, como se a Graça abolisse a liberdade humana e construísse o Reino de Deus sem a contribuição voluntária do crente.
Rubén Calderón , Apogeu da Cidade Cristã, Cap. 1, O Reino de Deus na Vida Íntima, Art. 4.
Nenhum comentário:
Postar um comentário