sábado, 28 de junho de 2025

De filósofos e filosofias

 

Por D. Rubén Calderón Bouchet

Tornou-se moda entre nós dar o título de filósofo a qualquer professor de filosofia e, muitas vezes, a alguém que, sem sê-lo, sai ao encontro do público com algumas reflexões mais ou menos precisas sobre qualquer um desses problemas que afetam a convivência atual. Por se tratar de um termo grego e que, na época, tinha um significado muito preciso no processo daquela cultura, não é aconselhável usá-lo aos trancos e barrancos sem tomar todas as precauções possíveis, de modo que a designação é denotativa de uma atitude em relação à vida semelhante àquela que inspirou o termo na apreciação dos primeiros pensadores gregos.

Na minha opinião, a filosofia começa e termina na Grécia nos sistemas de Platão e Aristóteles e se prolonga, de forma um tanto agonizante, nas escolas de inspiração socrática que culminam em seu surgimento naquele ocaso da civilização grega que foi chamado de helenismo. Como esse processo intelectual tinha uma clara intenção teológica em seus primórdios, o cristianismo projetou, em seu movimento ascendente, as verdades que haviam sido reveladas por Deus e, assim, criou o corpo de sabedoria teológica que teve suas representações mais flagrantes nas figuras de Santo Agostinho, São Boaventura e São Tomás de Aquino, sem negligenciar outras de menor importância, mas de forma alguma insignificantes, que ajudaram a colocar a teologia no ponto culminando de nossa própria cultura.

O que chamamos de mundo moderno nasceu da ruptura do sistema religioso católico no século XVI e começou a aventura de uma redução da fé ao plano da vida doméstica. É o pai de família, diante de sua progênie, que se coloca como intérprete da Palavra Divina e mantém a atenção de sua família diante da sacralidade do livro sagrado. As outras atividades do espírito: ciência, arte, economia e política, na medida em que rompem o cerco disciplinar da sabedoria teológica, propõem-se a encontrar o absoluto em sua própria esfera e percorrem os privilégios de uma autonomia espiritual que as leva, pouco a pouco, a cair no circuito enclausurado da atividade econômica. tornar-se operações voltadas para o aumento da riqueza ou, pelo menos, para entrar na economia de mercado guiadas por critérios impostos pelo trabalho sobre a realidade circundante.

A religião doméstica é de curta duração e logo mostra sua incapacidade de sustentar a vida intelectual e moral dos homens nas alturas exigidas pelos frutos da atividade cultural. Os pensadores que cresceram no calor do fogo de sua casa, sonham em tirá-lo de casa e levá-lo ao fórum nos moldes de um sistema capaz de construir uma interpretação lógica das questões cruciais que afetam a vida do homem: Deus, a alma e o mundo. Como a vida doméstica é intrinsecamente dominada pelas exigências do trabalho cotidiano e este consegue dominar toda a vida do homem, esses pensadores constroem, cada um a seu modo, uma explicação do universo de sua linhagem construtiva e não contemplativa, como era a velha filosofia e era, em sua continuação, a teologia cristã. A poiesis substituiu a teoria, e a teoria emerge dentro desses sistemas individuais, mais como um poema do que como o resultado de um trabalho especulativo de um esforço conjunto dentro de uma escola.

Essa circunstância é criada nas obras dos pensadores modernos: Descartes, Kant, Hegel, etc. uma situação de fechamento que explode assim que seus autores falecem e seus epígonos devem enfrentar as dificuldades que não puderam ser resolvidas e que a natureza fechada do sistema necessariamente leva a desfinanciar. Isso também explica a proliferação daquelas designações que implicam as demandas de uma posteridade transformadora e que, se não fossem preservadas com um espírito progressista, apenas denunciariam a decomposição de um cadáver. Pós-moderno, mais moderno, ultramoderno são substitutos atenuantes para não enfrentar o desânimo da falência ideológica.

Os pequenos vermes que hoje proliferam no esqueleto de um prestigioso morto se autodenominam filósofos com o pretexto de esconder, com um termo venerável, sua condição miserável de carniçais condenados a arrotar o fedor daqueles restos insepultos.

Pessoalmente, não sinto nenhuma inclinação para admirar aquelas construções lógicas que para os poemas carecem de beleza e para a filosofia carecem de verdade. Sem dúvida, não são insignificantes e pode-se ver neles o trabalho sutil de uma inteligência que, a partir de algumas premissas aceitas como postulados, constrói um monumento de argumentos alinhados com precisão e às vezes não sem elegância, mas sempre longe do bom senso que inspirou o nascimento da filosofia.

Auguste Comte tentou apoiar o peso de sua nova ciência, a sociologia, na lei dos três estados que ele pensava ter descoberto em um rápido exame da evolução das ciências. Não é uma tarefa que exija uma reflexão muito longa para provar a completa falsidade dessa lei e, assim, demonstrar a inconsistência desse novo conhecimento que Comte ofereceu como uma sublime coroação do esforço sapiencial positivo. Na realidade, o que se chama ciência das sociedades, quando não se baseia numa análise histórica muito precisa e num claro fundamento antropológico, carece de qualquer fundamento e só pode levar-nos a uma série de confusões tanto mais lamentáveis quanto mais pretensiosas forem as conclusões práticas que dela se procuram tirar.

A sociabilidade é um acidente próprio do homem, surge do caráter essencialmente dialógico de sua razão e não pode ter outro fim senão aquele inscrito em sua natureza espiritual e ordenado por Deus à contemplação de sua essência. Para dispor livremente de suas faculdades espirituais, as sociedades históricas obedecem à sabedoria mais ou menos razoável que o homem imprime em suas ações. Sem dúvida, pode-se observar no discurso diacrônico da existência humana, modalidades que se repetem ao longo do tempo e são a expressão de demandas que surgem do dinamismo natural. Considerá-los independentemente do tempo e do lugar em que aparecem é uma reflexão que se inscreve, com razão, na antropologia filosófica ou na consideração dos princípios universais da ação prática.

La sociología como ciencia dependiente de la historia sólo tiene sentido en el marco de un sistema filosófico, como el de Comte o el de Marx, que conciben la sociedad como una realización acabada y perfecta de la evolución natural del hombre y en función de ese modelo teológico, son concebidas las sociedades históricas como aproximaciones y logros nunca bien terminados del paradigma esencial ubicado al fin de la historia. Si se observa en perspectiva teológica ese ideal es el Reino de Dios realizado por el sólo esfuerzo humano y esto explica también la pretensión de los sociólogos de hacer de su ciencia una suerte de saber donde culminan todos los otros esfuerzos científicos.

Os católicos tradicionais podem ser repreendidos por também terem um sistema interpretativo da realidade no qual a posição de todo conhecimento é organizada e cada conhecimento é localizado, em relação aos outros, em uma situação que está pronta e ordenada para a própria estrutura do sistema. Há alguma verdade nesta afirmação e muito que escapa à sua plena consideração. É verdade que a totalidade do conhecimento é ordenada de acordo com uma hierarquia sapiencial que vai do que sabemos sobre Deus ao que podemos saber sobre o átomo em uma escala que é ordenada de acordo com um grau de perfeição determinado pelo valor das entidades consideradas no estudo. Sem dúvida, isso não constitui um sistema clausível, fechado na perfeição de sua cadeia lógica. O que é determina a profundidade e a amplitude dos vários conhecimentos, mas em nenhum momento se pretende equiparar a realidade ao que é conhecido sem medir o abismo do que é ignorado. O que é, tanto na teologia como na mais humilde disciplina científica, supera o que é conhecido e incita, a partir da sua plenitude, a uma aproximação perpétua do entendimento sem medo de quebrar os esquemas do sistema interpretativo.

Esta é a diferença essencial entre a Escola Aristotélica Tomista e os sistemas ideológicos nascidos à luz do pensamento moderno. Foi isso que inspirou Gilson com aquela frase tão cheia de significado: os modernos pensam, nós tentamos saber. Se a ordem do universo deve nascer totalmente armada da inteligência do homem, o ponto de partida obrigatório para montar o quebra-cabeça é, sem dúvida, a imanência. Quer eu o tome como Descartes da simples enunciação do cogito, quer me detenha para examinar o próprio ato de saber, como acontece em Kant, quer tome como base a dialética oposição sujeito e objeto, a imanência mede o curso de um conhecimento que se desenvolve como silogismo, apoiado nas premissas que se supõem indiscutíveis para o exercício da razão.

Quando dizemos que o ponto de partida normal do conhecimento é a res sensible, estamos diante de um dado que confronta a razão com toda a densidade de seu mistério óptico. A análise pode descobrir os componentes do ser físico, mas nunca consegue chegar ao ponto em que a realidade emerge dos abismos do ser e assume aquela plenitude entitativa que provoca o espanto de nossa inteligência e nos impele a penetrar com sondas lentas e sempre inexaustivas em relação à realidade inesgotável.

Disseram-me que Descartes não era protestante e, em apoio a essa afirmação, eles empunham uma promessa que ele teria feito à Virgem para sair de sua aventura especulativa com segurança. Tudo isso pode ser muito verdadeiro ou não tão verdadeiro quanto parece, mas há um fato certo, sua ligação com os Rosacruzes e esse sonho com todas as características de uma iniciação gnóstica que precede a proposição de suas meditações metafísicas. Lá, a existência de Deus é deduzida de sua enunciação essencial e, embora isso pareça ter sido uma tentação de Santo Anselmo, sua refutação posterior dentro da escolástica teve que ser conhecida por todo filósofo católico antes de embarcar em uma aventura com antecedentes negativos.

Da ordem do conhecimento para a ordem do ser, não se pode tirar uma conclusão legítima, porque a lógica não é ontologia. Temos que esperar o advento de Hegel para encontrar uma confusão dessa natureza levada ao seu mais alto nível especulativo, mas isso já é protestante no sentido mais completo e completo do termo, porém não podemos isentar Descartes de ter sido o primeiro a iniciar esse tipo de reflexão com a qual começa a chamada modernidade. O próprio Hegel reconhece isso em sua História da Filosofia quando denuncia a descoberta antroponímica de Descartes como a primeira a apontar para a Terra como o centro do universo.

Dir-se-á que esta descoberta não coincide com a revolução copernicana, mas não podemos esquecer que os sistemas cosmológicos da época, hélio cenúrico ou não, dependiam em sua construção de nossa inteligência matemática e essa convergência intelectual deu ao homem uma posição central no mundo, que era precisamente o que Hegel queria apontar.

O destino do homem neste mundo é determinado, em grande parte, por suas preferências axiológicas. Com isso não quero dizer nada de estranho, mas apontar, em termos um tanto pedantes, que onde colocamos nosso coração, também encontramos a razão de nossa existência. A ciência, a arte, a política ou a economia são geralmente os pólos de nossas predileções, a menos que nós mesmos estejamos no gozo de nossa plenitude vital, mas como esta não costuma durar muito, logo colhemos os frutos amargos do desencanto que aparecem com os primeiros sintomas de nossa decadência fisiológica.

Esses pólos de valores não podem se tornar instâncias absolutas sem provocar um desequilíbrio na economia de nosso equilíbrio espiritual que inevitavelmente leva à loucura, se não surgir em nós uma força que os equilibre e os ajuste às demandas de uma harmonia existencial que coloque a paz no sistema de valores. Essa é a força que a religião dá, ou, na falta disso, um controle sobre a impulsividade que permite que os impulsos preferenciais parem nos limites onde começam a atacar as outras atividades do espírito.

Falamos de um homem deformado por uma preferência avaliativa quando os critérios de sua condição de cientista, economista, político ou artista penetram no contexto de todas as outras atividades e lhe impõem suas próprias normas espirituais em detrimento daquelas que lhe são específicas. Comte acreditava na possibilidade de impor critérios científicos à política, à economia e às artes, sem descartar a religião que sonhava com isso, emergindo, totalmente armada, da sociologia positiva. Marx pensava que a economia era a atividade que impunha seus critérios a todas as outras atividades da mente e, claro, seguindo com todo o rigor as premissas dessa preferência axiológica, transformou a economia em uma espécie de religião capaz de mudar o destino do homem por meio de uma mudança na posse dos meios de produção. Seu sonho não só se chocou com a natureza de outros saberes, mas também com a própria economia ao despojá-la de sua fonte mais íntima, que é o interesse individual, pois enquanto nenhum outro for inventado, é o único que cada um de nós conhece e aquele que move nossos pés e mãos para alcançar as satisfações que lhe são próprias.

Diz-se também que a religião pode, em alguns casos, penetrar distorcidamente no conteúdo das outras atividades do espírito e desviá-las de seus objetivos, provocando nelas alterações muitas vezes monstruosas. Duvido que isso possa acontecer na medida em que a religião é realmente a obra de Deus. Felix Konevzny fala da religião hebraica como se ela tivesse inspirado uma civilização que ele chama de sacral, para indicar essa substituição de todo conhecimento específico pelo único conhecimento de tipo religioso. De fato, a única ciência cultivada pelos hebreus era a que estava contida na Sagrada Escritura. Não havia outra arte senão aquela inspirada na vida religiosa. A política era a indicada por Yahweh aos seus profetas e a economia era inteiramente baseada em descrições religiosas. No entanto, nenhuma dessas atividades sofreu em seu próprio conteúdo uma distorção imposta por critérios oriundos da religião. Quero dizer que a ciência, embora exclusiva, era um conhecimento completo que não negava a possibilidade de outros conhecimentos. A economia em seu sentido estrito respondia às necessidades do povo e, embora regulada por cânones religiosos, não se afastava da estrutura delineada pelas demandas do bem viver. Os hebreus não se destacaram nas atividades artísticas plásticas, mas seus hinos religiosos, seus salmos e todos os seus escritos proféticos têm a profundidade e o sabor das obras alimentadas por uma inspiração espiritual de inegável altura religiosa. Sua política tinha um objetivo fundamental, sustentar a comunidade israelita na expectativa do grande evento religioso que estava por vir e encher Israel com os dons da promessa feita por Javé. Era, como diz Konevzny, uma civilização sagrada, mas embora todas as suas atividades espirituais fossem intrinsecamente elevadas pela contemplação religiosa, elas não sofriam um prejuízo em suas respectivas naturezas, mas uma ordenação para um destino superior designado e desejado por Deus.

O caso do Islã, que pode se assemelhar à antiga civilização israelita, é diferente. É fácil ver na disposição do Alcorão uma intenção política que direciona a própria fé para um propósito humano: a conquista do mundo pelos crentes e para a maior glória do Islã concebido como um corpo político militar que a fé em Alá alimenta com seu fogo apaixonado. Não esqueçamos que o que o Islã concebe como um reino escatológico é o prolongamento da vida carnal com seus prazeres sensíveis, mas de acordo com as possibilidades de um corpo invulnerável.

É um aforismo da sabedoria popular sustentar que o peixe pela boca morre, o que significa que o que constitui a principal virtude de um homem, sua energia excepcional é o que causa sua queda. Os inteligentes perdem a inteligência e os obstinados seu desejo de dominar. Algo semelhante acontece com as civilizações. Os gregos concluíram sua jornada terrena no fogo-fátuo do alexandrinismo, os romanos no colapso de suas fronteiras se estenderam além de suas possibilidades militares e os judeus perderam o nacionalismo, a ideia de terem sido escolhidos por Deus como um povo favorito e a decepção que Cristo lhes causou quando os colocou. juntamente com os outros povos, em pé de igualdade que ofendeu seu orgulho de nação eleita. O Islã morre quando a guerra santa deixa de sustentá-lo com seu feitiço e seu guerreiro enferruja na saciedade dos bens adquiridos. A Espanha era seu túmulo suntuoso e onde começou o refluxo de sua maré agressiva.

O cristianismo teve que morrer quando perdeu de vista o horizonte sobrenatural de seu destino, e a ideia do Reino de Deus tornou-se uma utopia socialista ou democrática, quando o demagogo substituiu o santo e o agente eleitoral o cavalheiro cristão.


Um comentário:

A verdadeira e autêntica teologia

  A verdadeira teologia, como ciência que é da fé e dos costumes cristãos, está submersa nas virtudes teologais da fé e da caridade. Respira...