Por D. Rubén Calderón Bouchet
Maritain teve a assombrosa capacidade de somar ao otimismo evangélico aquele outro que anuncia o amanhecer de uma transformação revolucionária do mundo. Os galos da alvorada cantam para duas manhãs: o Reino de Deus e a aurora democrática.
São duas noções místicas que, em seu pensamento, se complementam plenamente, como se a anunciação pós-histórica de uma implicasse o compromisso histórico de realizar a outra. Trabalhar pelo Reino de Deus em sentido escatológico é trabalhar pela sociedade democrática no plano temporal. Fica assim superada a imagem obscena de uma imitação sacrílega da Cidade de Deus e, por consequência, o pessimismo apocalíptico do reinado do Anticristo, que, segundo uma frase bem temperada de Joseph Pieper, surgirá “quando a união militar, política e econômica do mundo culminar na frente da unidade religiosa”.
Ou seja, quando se realizarem as condições do humanismo integral que Maritain promove em seu livro.
Maritain era um católico interiormente dividido entre sua fé nos dogmas propostos pela Igreja e sua fé na revolução. Por causa dessa divisão interior, protestava frequentemente contra aqueles que o compreendiam mal ou extraíam consequências unilaterais de uma posição que ele pretendia manter na mais rigorosa ambiguidade. Afirmava também que o humanismo socialista era um impulso vasto e generoso para alcançar certas verdades que não se podiam desprezar quando se queria ter uma concepção total da vida. Admitia que muitas dessas verdades vinham expostas em um contexto nocional ateu que não precisava sê-lo, mas que se explicava historicamente como reação frente às mentiras que haviam sido defendidas em outro contexto nocional teísta.
De acordo com esse esquema, a ambivalência do tempo histórico devia ser compreendida de forma mais nova e sutil que a de Agostinho. Para o santo Bispo de Hipona, a ambivalência do tempo histórico residia no fato de ser o momento da escolha entre o bem e o mal, com Deus ou contra Ele. A essa disjuntiva oferecida à liberdade do crente, Maritain acrescentava, segundo sua perspectiva de análise histórica, que aqueles que escolheram construir a cidade terrena de costas para a Cidade de Deus trouxeram à luz da consciência uma série de valores que haviam sido positivamente negados por aqueles que pretendiam lutar pela Cidade de Deus. De tal modo que poderia parecer, à primeira vista, que os que escolheram mal, na realidade, escolheram bem — e os que escolheram bem, na verdade, escolheram mal.
É provável que alguém nos acuse de uso malicioso do dilema, e, para remediar isso, voltamos aos textos de Maritain, com o objetivo de que ele próprio nos explique melhor o problema.
Dir-se-ia, assim, que o mundo cristão, por sua natureza pecaminosa, utilizou as verdades cristãs para encobrir o contrabando de sua libido dominandi, de tal forma que, aos olhos de suas vítimas, o cristianismo apareceu como um véu hipócrita, por trás do qual se entrevia a garra do espoliador. Este fato explica por que rejeitaram a religião e tomaram consciência de sua dignidade humana, descobrindo os valores dos quais haviam sido miseravelmente despojados.
Maritain propõe uma sinceridade renovada do cristianismo, uma clara tomada de consciência de seus erros históricos e uma aproximação ao humanismo socialista com o reconhecimento implícito de sua verdade. Reconhece também que o socialismo, por ser uma reação, carece da plenitude necessária para abarcar todas as exigências de um autêntico renascimento. Mas acredita que aquilo que chama de “humanismo integral” é o único capaz de “salvar e promover, numa síntese fundamentalmente diversa, todas as verdades afirmadas ou intuídas pelo humanismo socialista, unindo-as de forma orgânica e vital a muitas outras verdades. É por isso que o nome de humanismo integral nos parece conveniente.”¹
Não é fácil apanhar Maritain em uma falha sem que, imediatamente, apareça a reflexão que a corrige ou atenua. O que surpreende é seu gosto por evitar o confronto com a realidade. Reconhece a gravidade dos pecados socialistas no século XIX, mas admite também que todos esses defeitos ficam superados quando se pensa que são uma forma de protesto da consciência humana “e dos instintos mais generosos contra males que clamavam aos céus”.
Por que razão Maritain quer que esse protesto proveniente dos círculos revolucionários — em alguma medida tributário de grupos subversivos bem treinados — deva estar limpo de toda concupiscência, ao passo que o protesto, contra os mesmos males, nascido nos círculos dos católicos sociais, não teria o mesmo valor representativo da consciência humana e dos melhores instintos? Não será que o sucesso político do marxismo no século XX influenciava fortemente sua inteligência e o arrastava, talvez a contragosto, a aderir a um movimento que tinha todas as chances de vencer num futuro relativamente próximo?
Para Maritain, não havia dúvida de que o socialismo “travou uma luta áspera e difícil, em que se dispensaram inumeráveis devoções da mais comovente qualidade humana — devoções ao pobre. O socialismo amou os pobres.”²
Isso é, sem dúvida, um sinal de santidade irrefutável. É tão difícil amar os pobres sem introduzir nesse amor o desejo de tirar proveito de seu número e de seus ressentimentos! Reconheço que Jesus Nosso Senhor amava os pobres, e que muitos santos os amaram e viveram para socorrê-los em sua dor, tribulações e misérias — sem reclamar os benefícios do poder.
Lembro as palavras de Maurice Clavel, tão claras e realistas na apreciação deste fato: “Esses pobres que ninguém ama fora de Cristo e de seus santos, mas apenas por seu número e pelo poder que podem nos dar; esses pobres a quem não se tem o direito de amar senão no mais absoluto despojamento, e, em primeiro lugar, no desprezo pelo poder político que possam nos conferir; esses pobres a quem se deve servir no anonimato para que nosso serviço leve o selo da autenticidade.”
Deixemos de lado o catolicismo social, que Maritain encontraria pouco eficaz e em total desacordo com a consciência humana; desprezemos os benefícios concretos obtidos da legislação; e abandonemos, por inócuas, as obras de hospitalidade e assistência realizadas sob a inspiração e guia dos católicos sociais que, justamente por atenuarem o peso da miséria, impediam o movimento revolucionário cuja esperança estava posta na explosão do ressentimento.
Os homens de letras costumam cair facilmente na idolatria da letra: basta que alguém tenha escrito um parágrafo para garantir que saiu de sua pena com o louvável propósito de dizer a verdade e nada mais que a verdade. Por essa razão, Maritain recorre a Máximo Gorki e propõe sua apologia da Revolução Russa como se fosse o anúncio da Sibila: “Pela primeira vez na história — disse Gorki — o verdadeiro amor ao homem está organizado como se fosse uma força criadora e se propõe a emancipação de milhões de homens.”
Se não estivesse citado na página 97 de seu Humanisme Intégral, pareceria inventado por algum inimigo particularmente irônico para fazê-lo parecer um imbecil. Mas não se trata de ironia nem de hostilidade, pois logo em seguida cita um parágrafo do Pravda, onde o jornal oficial do regime soviético declara: “O homem novo não se forma por si mesmo. É o Partido quem dirige o processo de realização socialista e de reeducação das massas.”
Sem que essa sinistra pretensão — que traz implícita a vontade de dirigir os homens contra os desígnios expressos de Deus — lhe inspire uma crítica exaltada sobre os estranhos caminhos por onde transita o amor humano.
Contudo, sua receita é diferente da proposta pelo socialismo científico e tem a imensa vantagem de não desprezar nada, expandindo-se em uma ampla e generosa tolerância. Maritain estava convencido de que tolerar tudo é, talvez, a mais importante das virtudes; nesse sentido, coincidia com Voltaire, pelo menos naquele ponto que o grande cético chamava de tolerância civil.
Como convinha a um profissional da fé que exercia uma espécie de magistério paralelo ao sustentado pela tradição teológica, lembrava-nos, uma e outra vez, aquela verdade ensinada pela Igreja: oportet haereses esse — talvez com o oculto propósito de provar que os erros na fé servem para a consolidação e prosperidade da sociedade pluralista.
Para alcançar os benefícios do humanismo integral, é necessário mudar o homem — e, por certo, essa transfiguração dá lugar ao advento desse “homem novo em Cristo” de que fala São Paulo. Maritain afirma, com a Igreja de sempre, que: “Essa transformação exige, por um lado, o respeito às exigências essenciais da natureza humana — essa imagem de Deus e essa primazia dos valores transcendentais, que permitem e delineiam uma renovação; por outro lado, que se compreenda que tal mudança não é obra do homem, mas de Deus em primeiro lugar, e do homem com Ele...”³
Nada mais em consonância com a doutrina tradicional. Mas essa transfiguração supõe — o que antes não se admitia — a transformação simultânea de suas dimensões sociais, o que traria como consequência “uma nova era da cultura cristã... uma nova realização social e temporal do Evangelho”.
Se não compreendemos mal o ensinamento dos grandes papas dos séculos XIX e XX, a exortação a instaurar todas as coisas em Cristo é um propósito que tem a idade da Igreja. Mas, em Maritain, vem incluída a certeza de que as novas vigências do cristianismo trazem consigo a implantação de uma ordem social democrática que não apenas torna possível, mas facilita a conversão nesse novo homem, herdeiro do Reino da Terra e do Reino de Deus.
Maritain foi um católico que conhecia sua teologia e, ao mesmo tempo, um revolucionário que não queria pecar contra seu catecismo progressista. Para conciliar uma e outra coisa, era conveniente traçar duas linhas paralelas na realização do Reinado de Cristo: uma escatológica, a outra histórica. A primeira cresceria conforme os ditames da Revelação e nela se incluiriam os eleitos, independentemente do tempo histórico em que vivessem, segundo as exigências espirituais da fé. A segunda é histórica e se realiza no tempo, de acordo com as previsões de Marx. Seu protagonista é o proletariado, pois é ele “e seu movimento de ascensão histórica a quem convém o papel principal na próxima fase da evolução”.⁴
“Acontece que, sem cair no messianismo marxista — nos assegura — um cristão pode reconhecer que há uma visão profunda na ideia de que o proletariado, pelo fato de ter sofrido na civilização capitalista... por ter sido explorado como uma mercadoria, é portador de reservas morais frescas que lhe atribuem uma missão em relação ao novo mundo; missão que será ou seria verdadeiramente de libertação, se a consciência que o proletariado tem dessa missão não estivesse corrompida por uma filosofia falsa.”⁵
Quanto ao marxismo, que teve o mérito de provocar o advento dessa consciência, se descobrir suas raízes evangélicas e aceitar as premissas filosóficas que Maritain tão gentilmente lhe propõe, teremos o clima intelectual propício para o renascimento da Nova Cristandade.
Que um homem grandioso, amadurecido no exercício da reflexão permanente sobre os textos do realismo clássico, faça afirmações de tal natureza não deixa de nos causar certo estupor. De onde tira Maritain que o fato de ter sido explorado e vendido como mercadoria transforma um homem em quase um pré-santificado? Qual seria então o papel das prostitutas nesta obra de redenção?
Li Dostoiévski e segui o itinerário novelesco de alguma pobre moça cuja dor e abjeção — aceitas livremente ou por coação — lhe permitiram encontrar a ventura de uma ressurreição espiritual. Mas trata-se sempre de casos isolados, de conversões pessoais no sentido tradicional e próprio do termo — não de categorias sociais que entrariam, como instâncias coletivas, na economia da redenção. Por si mesmas, a miséria e a derelicção econômica nada fazem pela promoção espiritual de um ser humano. O mais provável é que destruam as poucas reservas morais que ainda pudessem ter restado antes de cair nessa degradação.
Estas reflexões sobre Maritain têm por finalidade examinar o clima intelectual em que se desenvolveu o Concílio Vaticano II e explicar, assim, algumas das novidades que entraram no ensinamento da Igreja. Ao mesmo tempo, isso nos permitirá compreender o grau de complexidade que o americanismo adquire ao entrar em contato com uma inteligência tão finamente cultivada como a de Maritain.
Rubén Calderón Bouchet, La luz que viene del norte – Hacia un pluralismo católico, pp. 350–357.
---------------------------------------------------------------
Notas:
1 - Humanismo Integral, pp. 95-96.
2 - Ibid., p. 96.
3 - Ibid., p. 101.
4 - Ibid., p. 238.
5 - Ibid., P. 239.
Nenhum comentário:
Postar um comentário