segunda-feira, 29 de setembro de 2025

O Papa Pio XII e a democracia


Por D. Rubén Calderón Bouchet

Se existe um termo na linguagem política da nossa civilização que passou a converter-se em uma senha ideológica, é o de democracia. Era impossível que um Pontífice pudesse usá-lo em uma acepção mais ou menos tradicional sem provocar inúmeros mal-entendidos e uma agressiva resposta publicitária universal. Pio XII o pronunciou em algumas ocasiões e tentou colocá-lo, da melhor maneira que pôde, no elenco das noções políticas que possuem um sentido preciso. É minha modesta opinião que perdeu, lamentavelmente, seu tempo, porque o termo democracia está inevitavelmente impregnado de ideologismo, e sua significação é tão variável e arbitrária quanto a propaganda da qual depende de modo fundamental e necessário.

Reconheço que a política é uma realidade fluida e contingente e, embora nela possam ser encontrados princípios práticos universais, a adequação às múltiplas situações proporcionadas pela história faz com que as formas de politicidade concreta nunca correspondam plenamente às exigências de um modelo previamente estabelecido. Um desses princípios fundamentais estabelece que não se pode agir politicamente sem conseguir, de alguma forma e em alguma medida, o apoio do povo à atuação de seus governantes.

É indiscutível que, para ter uma compreensão clara deste fato, é necessário distinguir com precisão entre o que ocorre com um povo e o que pode acontecer em uma sociedade de massas. Um povo histórico, na medida em que desenvolve seu dinamismo social de acordo com um ritmo de crescimento natural e espontâneo, reconhece-se sempre nas classes dirigentes que a história lhe proporciona. A sociedade de massas, por sua vez, é filha da publicidade, e cabe a esta convencer a massa de que efetivamente participa do governo, apenas porque é convocada, de tempos em tempos, para escolher representantes previamente selecionados pela própria propaganda.

Pio XII talvez tenha cedido um pouco à pressão da publicidade quando afirmava que os povos: "aleccionados por uma amarga experiência, se opõem com maior energia ao monopólio de um poder ditatorial incontrolável e exigem um sistema de governo que seja mais compatível com a dignidade e a liberdade dos cidadãos."

O mesmo Papa havia testemunhado o surgimento do fascismo como um movimento de caráter autoritário, exigido, solicitado e proclamado, em todas as oportunidades, pela imensa maioria dos italianos. Também havia assistido, como Núncio Apostólico, ao nascimento da social-democracia alemã e não deixou de perceber a enorme quantidade de eleitores que consolidou o poder de Hitler. Sabia melhor que ninguém qual foi a atitude do democrático Frente Popular espanhol frente à Igreja Católica e, naturalmente, havia concordado com as medidas de seu predecessor, Pio XI, de apoiar com toda sua energia a cruzada do General Franco. O Frente Popular francês, dirigido pelo judeu Léon Blum, não foi mais favorável ao cristianismo do que o espanhol, e, se buscarmos os responsáveis pelo caráter internacional assumido pela guerra civil espanhola, talvez o Frente Popular francês tenha sido o primeiro a mover-se em apoio à República Espanhola, fornecendo-lhe os elementos de guerra necessários para enfrentar o levante militar.

O Santo Padre também não ignorava que o comunismo reivindicava para si a expressão da vontade do povo soberano e se apresentava, a partir do Leste Europeu, como o verdadeiro rosto da democracia. Todas essas ambiguidades e contrastes no uso do termo não o impediram de tentar uma clarificação semântica e de oferecer sua definição do que entendia por democracia — tentativa que não foi mais feliz do que outras em apontar uma realidade que desafia qualquer definição.

De acordo com o espírito da filosofia prática tradicional, distinguia entre povo e massa, atribuindo ao povo a condição de uma realidade histórica com vida e modalidade próprias. Um povo possui uma estratificação social que é resultado de uma ordem secular de convivência em um território determinado. Tanto seus indivíduos quanto suas classes sociais alcançaram diversas posições mediante uma relação viva com seus méritos, seus trabalhos, suas ambições ou seus fracassos. Todas as desigualdades fomentadas pelo temperamento, pela inteligência, pela laboriosidade, simpatia, astúcia, dolo ou honestidade tendem a fixar-se e a manter-se nos níveis alcançados, graças aos usos, costumes ou preconceitos que favorecem a conservação familiar das fortunas e dos méritos. Os ideais educativos surgem justamente para que tais desigualdades gerem obrigações, deveres e atitudes em consonância com a posição alcançada na sociedade.

Uma comunidade humana converte-se em massa quando desaparecem as hierarquias impostas pela história e, sob o pretexto de uma igualação de oportunidades, destroem-se os esforços familiares, fazendo emergir nas sombras os poderes ocultos do dinheiro ou, de forma mais visível, os do mérito subversivo. É nesse clima que surge a democracia moderna: as massas convocadas por poderes anônimos para mascarar seu próprio domínio.

O Papa não desejava defender algo tão contrário ao espírito do Evangelho, mas, ao usar o termo democracia e tentar esclarecê-lo em um contexto repleto de ambiguidades, apenas acrescentou mais um elemento de confusão aos muitos que já existiam no complexo panorama da época.

Em um discurso pronunciado em 1946, fez uma advertência severa às classes dirigentes da sociedade, destacando as exigências que lhes eram impostas pela promoção do bem comum e pelo cuidado de todos os que estavam sob sua direção. Suas palavras não apresentavam qualquer concessão ao espírito demagógico, que sempre implica em bajulação das multidões. Ao contrário, afirmava:

"que a multidão inumerável, anônima, é presa fácil da agitação desordenada; abandona-se cegamente, passivamente, ao turbilhão que a arrasta ou ao capricho das correntes que a dividem e extraviam. Uma vez transformada em joguete das paixões ou dos interesses de seus agitadores, não menos que de suas próprias ilusões, a multidão já não sabe firmar seu pé sobre a rocha e consolidar-se assim para formar um verdadeiro povo, isto é, um corpo vivo com seus membros e órgãos diferenciados segundo suas formas e funções respectivas, mas concorrendo todos juntos para sua atividade autônoma na ordem e na unidade."

Nessa mesma ocasião, o Papa volta a mencionar o termo democracia, agora como sinônimo claro de res publica, no sentido mais preciso e tradicional da expressão. De outro modo, não se compreenderia por que razão faz referência à necessidade de que, nos povos civilizados, exista a influência de:

"instituições eminentemente aristocráticas, no sentido mais elevado da palavra, como são algumas academias de extenso e bem merecido renome."

"Também a nobreza — acrescentava o Papa — pertence a esse número: sem pretender privilégio ou monopólio algum, a nobreza é, ou deveria ser, uma dessas instituições tradicionais fundadas sobre a continuidade de uma antiga educação."

"Tendes atrás de vós — dizia-lhes — um passado de tradições seculares que representavam valores fundamentais para a vida sã de um povo. Entre essas tradições, das quais vos sentis justamente orgulhosos, conta-se, em primeiro lugar, a religião, a fé católica, viva e operante."

Ao final de sua alocução à nobreza, tocava na nota paternalista que tanto ofende o espírito democrático de nossa época, mas que coloca sua pregação na justa linha em que se situaram todos os seus predecessores diante da destruição revolucionária. Deus é Pai, e a paternidade é a forma justa pela qual se desenvolve e se expressa a maturidade do homem. A única proteção possível para os fracos, no seio de uma sociedade, deve nascer do espírito paternal dos fortes. Já não se crê no espírito nem nos bons hábitos formados à luz da doutrina cristã. Os que governam consideram mais vantajosos os expedientes hipócritas pelos quais se faz crer às massas que são elas que governam. Adula-se o povo e alimenta-se espiritualmente com utopias, para melhor explorá-lo e aviltá-lo sem remorso.

La luz que viene del norte, El pontificado romano entre las dos guerras, págs. 68‑72.


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