sábado, 20 de setembro de 2025

O pensamento de Paulo VI

 


Por D. Rubén Calderón Bouchet

O Papa é, para os católicos, o porta-voz de uma sabedoria que tem sua origem na Revelação Divina e que, como tal, se impõe como ciência orientadora para conformarmos com ela nosso pensamento e nossa conduta. Por essa razão, os intelectuais católicos se surpreenderam ao perceber que o Magistério Santo não falava apenas de Doutrina Cristã, mas incorporava em seu ensinamento opiniões discutíveis que haviam surgido junto com o pensamento ideológico.

Naturalmente, os fiéis procuraram desculpar o Sumo Pontífice pela responsabilidade que lhe cabia na propagação dessas ideias, culpando aqueles que o cercavam, ou até mesmo atribuindo a situação a uma doença que o fazia agir sob o efeito de medicamentos. Hipóteses sem muito fundamento, que revelavam mais a inquietação dos bons fiéis do que um conhecimento real das circunstâncias que levavam Paulo VI a dizer o que dizia. Apesar dessa ressalva, a ascensão de Paulo VI ao trono de São Pedro se deu em pleno Concílio, sob o fogo intenso de uma imprensa indiscreta e de uma publicidade sem limites — que também impunha uma dose significativa de pressão.

A personalidade do Cardeal Montini, como Arcebispo de Milão, já era conhecida por suas inclinações progressistas e por sua boa disposição ao diálogo com todas as correntes mais ou menos esquerdistas que circulavam pelo complexo cenário da época. Por essa razão — e por outra muito importante, que ligava sua formação intelectual à ambígua filosofia de Maritain — foi bem recebido, de forma unânime, tanto por padres quanto por leigos interessados em promover uma ampla abertura às portas da revolução.

O primeiro passo exigido por essa nova sabedoria pontifícia era o reconhecimento de que a mensagem de Cristo não poderia alcançar as massas modernas se não se adequasse aos meios de comunicação de massa e tomasse emprestadas certas palavras de ordem ideológicas, cujo conteúdo se harmonizasse, de alguma forma, com ideias de paz e cooperação ativa — vistas como projeções sociais do Evangelho. O Papa passaria a propor a doutrina cristã não mais como aquela revelada por Deus e ensinada a todas as nações para sua união em uma só fé e um só pastor. Como dizia Thomas Molnar em um artigo publicado na revista Écrits de Paris, em janeiro de 1976:

“Roma tende para um pluralismo no qual a Igreja participa com pleno direito e em pé de igualdade, mas como uma igreja quase irreconhecível, pois assume a máscara de uma ideologia, de uma ampla agência social, de uma garantia para o mundo. De fato, observava ele, “é a ideologia do Papa — mas não é, nem pode ser, a ideologia da Igreja, que deve, antes de tudo, marcar sua diferença com o mundo, conduzir as almas à salvação, e não as nações à paz conforme a ONU, os EUA ou a Rússia.” - "A Ideologia Pontifícia", Écrits de Paris, nº 354.

Importa advertir que o Sumo Pontífice, como chefe da Igreja, não pode, sem perturbar o exercício de sua autoridade espiritual, se converter em difusor de uma ideologia. Quaisquer que sejam as dificuldades para alcançar um desejável clima de paz entre os homens, essa não é a missão própria da Igreja. Compreende-se perfeitamente as dificuldades de se fazer ouvir no meio da confusão de opiniões, especialmente quando se tem a convicção de ser o depositário da verdade religiosa. Mas entrar na arena como porta-voz de uma modesta receita pacifista, com a esperança de alcançar um sincretismo onde todas as vozes se unam numa oração comum de louvor ao Senhor, é uma utopia cuja fragilidade se revela ao simplesmente ouvir o que os diferentes convocados pensam sobre essa provável unidade.

A ideologia sustentada por Paulo VI buscava um entendimento com as diversas correntes políticas modernas — especialmente com o liberalismo, a democracia e o socialismo. Para isso, era necessário admitir em sua pregação uma série de princípios que pertencem por direito próprio ao pensamento revolucionário e que o magistério da Igreja já havia condenado em diversas ocasiões. Entre esses princípios, destacam-se: “o advento de uma consciência adulta”, “a maioridade das massas populares”, “o caráter progressista do pluralismo de opiniões que expressam essa maturidade” e, por fim, “a necessidade de consultar a opinião da maioria” para planejar uma reforma, impor uma nova forma de Credo ou modificar a liturgia.

Silenciava-se com cúmplice discrição as mentiras que estavam por trás dessas palavras de ordem, e não se mencionavam os poderes ocultos que, nos altos escalões de todas as ideologias, preparavam os amanhãs que cantam para seu próprio proveito. Dava-se a impressão — para quem observava essas manobras sem estar seduzido pelos espelhismos ideológicos ou por uma obediência à figura do Papa acima de qualquer crítica — de que Paulo VI somava seus esforços para a unificação de todos os homens sob a égide de um poder político pluralista e democrático.

Molnar observava que essa ideologia, tão sutilmente conduzida pelo Papa, era apoiada — com menos sutileza — por alguns membros da Cúria, desejosos de fazer carreira no curso dos “honores revolucionários”, mesmo que para isso cometessem algumas grosserias. Um Dom Hélder Câmara, um Camilo Torres, um Hans Küng ou mesmo o bispo que substituiu Dom Mindszenty no primado da Hungria, eram espelhos — ainda que um pouco deformados — nos quais se refletia a ideologia papal. Era fácil, com o pretexto de fazer o Evangelho chegar às massas degradadas pela publicidade, infiltrar na doutrina todo o veneno das mentiras fabricadas para seduzir e enganar os homens. Dessa forma, ganhava-se a aparência de moderno, conseguia-se um bom lugar à mesa dos vencedores, e obtinham-se votos e aplausos — evitando cuidadosamente a possibilidade do Calvário.

Não queremos concluir esta breve apreciação da atitude pontifícia de Paulo VI sem observar, conforme a opinião de Molnar, que o núcleo das verdades fundamentais sustentadas pela Igreja foi conservado: Cristo como fundamento; a moral cristã contra o aborto e o suicídio; um culto modificado ao gosto protestante de Taizé, mas no qual ainda se mantinha — com menos vigor do que antes — a Presença Real e o Sacrifício incruento do Senhor na liturgia da Eucaristia. É claro que isso último ficava um tanto entregue à interpretação do sacerdote do momento, que nem sempre acreditava na veracidade desses princípios sobrenaturais.

No caso dos países católicos submetidos ao jugo comunista, recomendava-se uma colaboração discreta com o governo, com o objetivo de manter, dentro do possível, a tímida presença da Igreja — reduzida a não ser mais do que um grupo tolerado, sem qualquer influência fora do gueto onde sobrevive a vida sacramental. Era muito pouco para aquela que fora a mãe da civilização — e era demais, segundo o pensamento vigente, para aqueles destinados a uma perseguição sem trégua.

Como última palavra na vida cristã é o medo ou a coragem que decide, era preciso se apoiar no que o medo inspirava e esperar da Divina Graça que, na hora do testemunho, concedesse a coragem necessária para ensinar a verdade.

Rubén Calderón Bouchet, La luz que viene del norte – XI. Los Papas del Segundo Concilio Vaticano, pp. 389–393.


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